Eduardo Klosowski Programador, formado em redes de computadores e estuda DevOps
Publicado em:

Mon 26 April 2021

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Orientação a objetos de outra forma: Herança

Algo que ajuda no desenvolvimento é a reutilização de código. Em orientação a objetos, essa reutilização pode ocorrer através de herança, onde um objeto pode se comportar como um objeto da sua própria classe, como também da classe que herdou.

Adicionando funcionalidades

Uma das utilidades da herança é estender uma classe para adicionar funcionalidades. Pensando no contexto das postagens anteriores, poderíamos querer criar um usuário e senha para algumas pessoas poderem acessar o sistema. Isso poderia ser feito adicionando atributos usuário e senha para as pessoas, além de uma função para validar se os dados estão corretos, e assim permitir o acesso ao sistema. Porém isso não pode ser feito para todas as pessoas, e sim apenas para aqueles que possuem permissão de acesso.

Sem orientação a objetos

Voltando a solução com dicionários (sem utilizar orientação a objetos), isso consistiria em criar um dicionário com a estrutura de uma pessoa, e em seguida estender essa estrutura com os novos campos de usuário e senha nesse mesmo dicionário, algo como:

# Arquivo: pessoa.py

def init(pessoa, nome, sobrenome, idade):
    pessoa['nome'] = nome
    pessoa['sobrenome'] = sobrenome
    pessoa['idade'] = idade


def nome_completo(pessoa):
    return f"{pessoa['nome']} {pessoa['sobrenome']}"
# Arquivo: pessoa_autenticavel.py

def init(pessoa, usuario, senha):
    pessoa['usuario'] = usuario
    pessoa['senha'] = senha


def autenticar(pessoa, usuario, senha):
    return pessoa['usuario'] == usuario and pessoa['senha'] == senha
import pessoa
import pessoa_autenticavel

p = {}
pessoa.init(p, 'João', 'da Silva', 20)
pessoa_autenticavel.init(p, 'joao', 'secreta')

print(pessoa.nome_completo(p))
print(pessoa_autenticavel.autenticar(p, 'joao', 'secreta'))

Porém nessa solução é possível que o programador esqueça de chamar as duas funções init diferentes, e como queremos que todo dicionário com a estrutura de pessoa_autenticavel contenha também a estrutura de pessoa, podemos chamar o init de pessoa dentro do init de pessoa_autenticavel:

# Arquivo: pessoa_autenticavel.py

import pessoa


def init(p, nome, sobrenome, idade, usuario, senha):
    pessoa.init(p, nome, sobrenome, idade)
    p['usuario'] = usuario
    p['senha'] = senha


...  # Demais funções
import pessoa
import pessoa_autenticavel

p = {}
pessoa_autenticavel.init(p, 'João', 'da Silva', 20, 'joao', 'secreta')

print(pessoa.nome_completo(p))
print(pessoa_autenticavel.autenticar(p, 'joao', 'secreta'))

Nesse caso foi necessário alterar o nome do argumento pessoa da função pessoa_autenticavel.init para não conflitar com o outro módulo importado com esse mesmo nome. Porém ao chamar um init dentro de outro, temos a garantia de que o dicionário será compatível tanto com a estrutura pedida para ser criada pelo programador, quanto pelas estruturas pais dela.

Com orientação a objetos

class Pessoa:
    def __init__(self, nome, sobrenome, idade):
        self.nome = nome
        self.sobrenome = sobrenome
        self.idade = idade

    def nome_completo(self):
        return f'{self.nome} {self.sobrenome}'


class PessoaAutenticavel(Pessoa):
    def __init__(self, nome, sobrenome, idade, usuario, senha):
        Pessoa.__init__(self, nome, sobrenome, idade)
        self.usuario = usuario
        self.senha = senha

    def autenticar(self, usuario, senha):
        return self.usuario == usuario and self.senha == senha


p = PessoaAutenticavel('João', 'da Silva', 20, 'joao', 'secreta')

print(Pessoa.nome_completo(p))
print(PessoaAutenticavel.autenticar(p, 'joao', 'secreta'))

A principal novidade desse exemplo é que ao declarar a classe PessoaAutenticavel (filha), foi declarado a classe Pessoa (pai) entre parênteses, isso faz o interpretador Python criar uma cópia dessa classe estendendo-a com as novas funções que estamos criando. Porém pode ser um pouco redundante chamar Pessoa.__init__ dentro da função __init__ sendo que já foi declarado que ela estende Pessoa, podendo ser trocado por super(), que aponta para a classe que foi estendida. Exemplo:

class PessoaAutenticavel(Pessoa):
    def __init__(self, nome, sobrenome, idade, usuario, senha):
        super().__init__(nome, sobrenome, idade)
        self.usuario = usuario
        self.senha = senha

    ...  # Demais funções

Assim se evita repetir o nome da classe, e já passa automaticamente a referência para self, assim como quando usamos o açúcar sintático apresentado na primeira postagem dessa série. E esse açúcar sintática também pode ser usado para chamar tanto as funções declaradas em Pessoa quanto em PessoaAutenticavel. Exemplo:

p = PessoaAutenticavel('João', 'da Silva', 20, 'joao', 'secreta')

print(p.nome_completo())
print(p.autenticar('joao', 'secreta'))

Esse método também facilita a utilização das funções, uma vez que não é necessário lembrar em qual classe que cada função foi declarada. Na verdade, como PessoaAutenticavel estende Pessoa, seria possível executar também PessoaAutenticavel.nome_completo, porém eles apontam para a mesma função.

Sobrescrevendo uma função

A classe Pessoa possui a função nome_completo que retorna uma str contento nome e sobrenome. Porém no Japão, assim como em outros países asiáticos, o sobrenome vem primeiro, e até estão pedindo para seguir a tradição deles ao falarem os nomes de japoneses, como o caso do primeiro-ministro, mudando de Shinzo Abe para Abe Shinzo.

Com orientação a objetos

Isso também pode ser feito no sistema usando herança, porém em vez de criar uma nova função com outro nome, é possível criar uma função com o mesmo nome, sobrescrevendo a anterior, porém apenas para os objetos da classe filha. Algo semelhante ao que já foi feito com a função __init__. Exemplo:

class Japones(Pessoa):
    def nome_completo(self):
        return f'{self.sobrenome} {self.nome}'


p1 = Pessoa('João', 'da Silva', 20)
p2 = Japones('Shinzo', 'Abe', 66)

print(p1.nome_completo())  # João da Silva
print(p2.nome_completo())  # Abe Shinzo

Essa relação de herança traz algo interessante, todo objeto da classe Japones se comporta como um objeto da classe Pessoa, porém a relação inversa não é verdade. Assim como podemos dizer que todo japonês é uma pessoa, mas nem todas as pessoas são japonesas. Ser japonês é um caso mais específico de pessoa, assim como as demais nacionalidades.

Sem orientação a objetos

Esse comportamento de sobrescrever a função nome_completo não é tão simples de replicar em uma estrutura de dicionário, porém é possível fazer. Porém como uma pessoa pode ser tanto japonês quanto não ser, não é possível saber de antemão para escrever no código pessoa.nome_completo ou japones.nome_completo, que diferente do exemplo da autenticação, agora são duas funções diferentes, isso precisa ser descoberto dinamicamente quando se precisar chamar a função.

Uma forma de fazer isso é guardar uma referência para a função que deve ser chamada dentro da própria estrutura. Exemplo:

# Arquivo: pessoa.py

def init(pessoa, nome, sobrenome, idade):
    pessoa['nome'] = nome
    pessoa['sobrenome'] = sobrenome
    pessoa['idade'] = idade
    pessoa['nome_completo'] = nome_completo


def nome_completo(pessoa):
    return f"{pessoa['nome']} {pessoa['sobrenome']}"
# Arquivo: japones.py

import pessoa


def init(japones, nome, sobrenome, idade):
    pessoa(japones, nome, sobrenome, idade)
    japones['nome_completo'] = nome_completo


def nome_completo(japones):
    return f"{pessoa['sobrenome']} {pessoa['nome']}"
import pessoa
import japones

p1 = {}
pessoa.init(p1, 'João', 'da Silva', 20)
p2 = {}
japones.init(p2, 'Shinzo', 'Abe', 66)

print(p1['nome_completo'](p1))  # João da Silva
print(p2['nome_completo'](p2))  # Abe Shinzo

Perceba que a forma de chamar a função foi alterada. O que acontece na prática é que toda função que pode ser sobrescrita não é chamada diretamente, e sim a partir de uma referência, e isso gera um custo computacional adicional. Como esse custo não é tão alto (muitas vezes sendo quase irrelevante), esse é o comportamento adotado em várias linguagens, porém em C++, por exemplo, existe a palavra-chave virtual para descrever quando uma função pode ser sobrescrita ou não.

Considerações

Herança é um mecanismo interessante para ser explorado com o objetivo de reaproveitar código e evitar repeti-lo. Porém isso pode vir com alguns custos, seja computacional durante sua execução, seja durante a leitura do código, sendo necessário verificar diversas classes para saber o que de fato está sendo executado, porém isso também pode ser usado para ocultar e abstrair lógicas mais complicadas, como eu já comentei em outra postagem.

Herança também permite trabalhar com generalização e especialização, podendo descrever o comportamento mais geral, ou mais específico. Ou simplesmente só adicionar mais funcionalidades a uma classe já existente.

Assim como foi utilizado o super() para chamar a função __init__ da classe pai, é possível utilizá-lo para chamar qualquer outra função. Isso permite, por exemplo, tratar os argumentos da função, aplicando modificações antes de chamar a função original, ou seu retorno, executando algum processamento em cima do retorno dela, não precisando rescrever toda a função.


Esse artigo foi publicado originalmente no meu blog, passe por lá, ou siga-me no DEV para ver mais artigos que eu escrevi.

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